A verdade e a justiça

Por Marcelo Santos

Créditos da imagem: S. Hermann & F. Richter por Pixabay

O compromisso de Sócrates com a verdade e a justiça é crucial para a liderança política e vital para a realização da justiça no Brasil e no mundo. Sócrates enfrentou seu julgamento e decidiu não escapar da sentença de morte proferida contra ele. Seu compromisso com a verdade e a justiça reforçou sua decisão de aguardar a morte a que foi condenado. Para ele, o compromisso com a verdade e a justiça era uma questão de vida ou morte.

A verdade tem dois aspectos. Uma é que um ser humano deve reconhecer o que é um ser humano adquirindo conhecimento sobre si mesmo. A estes deve ser adicionada à dimensão ética como uma condição para a busca do autoconhecimento. A identidade implica diferença, pois não devemos interpretar a diferença como oposição. Em vez de se opor à própria identidade, a diferença pode complementá-lo. A construção da própria identidade é uma questão epistemológica (ciência que investiga a crença e o conhecimento) na medida em que requer conhecimento de seu mundo, isto é, a natureza como deve ser conhecida e compreendida em seu lugar e tempo.

Ter esse conhecimento direciona a pessoa a se comportar de maneira específica, a fim de que alcance os bons fins e evite o mal. Conhecer a si mesmo em termos de identidade e disposição ética é o primeiro significado que atribuímos ao conceito de verdade. Isto significa interagir com os outros com base em permanecer fiel ao conhecimento adquirido de si mesmo. Este é o aspecto interno da verdade. Significa ser verdadeiro, ou seja, aderir ao conhecimento adquirido de si mesmo por não sucumbir à tentação de mentir para si mesmo (Kung, 1968).

Este significado de veracidade está em contraste com a construção de um ser meramente honesto. Ser honesto é estar em conformidade com as normas sociais que retratam alguém como respeitável mesmo que tal conformidade possa ser baseada em mentir para si mesmo. Mentir para si mesmo desta forma é a base para transferir a mesma mentira para os outros, vivendo de acordo com a norma social. A honestidade, como a busca da honra com base em mentir para si mesmo, é distinguível da veracidade, embora os dois sejam frequentemente usados erroneamente como sinônimos.

Outro aspecto da verdade é que é uma construção humana em constante mudança do significado da vida em um determinado tempo e lugar (Bohm, 1994). Isso significa que os seres humanos não constroem, por exemplo, uma pedra ou um rio que simplesmente existe independente se gostam ou não.

Os seres humanos não "constroem" o que é geralmente conhecido como realidade objetiva. Sua interação com esta realidade é a matriz da qual a verdade, como uma declaração sobre o significado da vida é construída.

Este é o aspecto "externo" da verdade. Os aspectos "internos" e "externos" da verdade constituem e complementam cada um dos outros. Eles são os dois lados da mesma moeda. O compromisso com a verdade significa aceitar um significado específico da vida, e agindo de acordo. A pergunta “Qual o significado da vida?” é uma questão à qual os seres humanos dão respostas diferentes e às vezes até divergentes. O conflito pode surgir quando as respostas se encontram.

A justiça é o objetivo e o critério para resolver o conflito. Desta forma, a justiça entra no terreno das contestações sobre a verdade. Nesse raciocínio, verdade e justiça andam sempre juntas.

Então, o compromisso de Sócrates com a verdade era, ao mesmo tempo, uma demanda por justiça. Assim a verdade e a justiça estão relacionadas de uma forma que pensar sobre aquele é necessariamente pensar sobre o outro.

Referência

Bohm, D. 1994. Thought as a system. London: Routledge & Kegan Paul.

Kung, H. 1968. Truthfulness: the future of the church. London & Sydney: Sheed & Ward