Espiritualidade em movimento
Por Joel Marc
Créditos da imagem: unsplashNão é de hoje que muitas Teologias e Espiritualidades falam uma linguagem desconexa da realidade da comunidade em que estão inseridas, precisamos pensar como construir uma boa teologia no chão da vida. Gosto muito de uma forma de ensino que aprendi com meu amigo Pastor Rogério Quadra - semanalmente nós nos encontrávamos para tomar um café da manhã na padaria Dona Augusta e, logo após caminhávamos pelos arredores da cidade de Suzano. Era o famoso ensino Peripatético (que se ensina andando, passeando, como era o costume de Aristóteles).
Em grego clássico: περιπατητικός, é a palavra grega para 'ambulante' ou 'itinerante'. Peripatéticos (ou 'os que passeiam') eram discípulos de Aristóteles, em razão do hábito do filósofo de ensinar ao ar livre, caminhando enquanto lia e dava preleções, por sob os portais cobertos do Liceu, conhecidos como perípatos, ou sob as árvores que o cercavam.¹
Esse foi o meio que encontramos para construir uma boa teologia no chão da vida daquelas pessoas da cidade, caminhando pelos lugares esquecidos da sociedade, tal como Jesus no seu relacionamento com os discípulos: passando da Galiléia a Cafarnaum, de Nazaré a Jerusalém - Jesus ensinava caminhando, conversando, interagindo.... horas no meio de uma multidão, horas com alguns poucos discípulos, mas sempre numa espiritualidade em movimento.
Karl Barth já dizia da necessidade do cristão andar com uma bíblia em um braço e o jornal no outro, muitas vezes nos atentamos aos objetos dessa oração (Bíblia e Jornal), mas deixamos passar despercebido o verbo da ação (andar), ou seja, não basta ter (ler) a bíblia/jornal - é preciso andar - é preciso caminhar pelos solos "samaritanos" antes não pisados, é preciso se envolver e interagir numa “espiritualidade mundana” – que nos lança no mundo! É preciso descer da sacada e fazer Teologia no Caminho, permitir que o “Muro da separação” que foi derrubado por Jesus na Cruz do calvário ( Ef. 2.14), também caia dentro dos nossos corações e nos permita construir pontes, dando forma prática a expressão teórica de que em Cristo não há gregos ou judeus, cariocas ou paulistas, ricos ou pobres , proletários ou burgueses, mulher ou homem...em Cristo somos um!
O Evangelho não constrói classes, o evangelho revela nossa humanidade em comum! O Evangelho aproxima à mesma mesa um Zelote (pronto para pegar em armas e derrubar o atual governo) e um Publicano (cobrador de impostos que já incorporou esse governo), e faz a comunhão existir no partir do pão. Sim, o evangelho é a expressão máxima da reconciliação de todas as coisas.
Acredito na aproximação que se dá na caminhada, no tomar café juntos (pelo menos 2 vezes por semana) em alguma padaria do local, enxergando a realidade do chão da vida daquelas pessoas, ouvindo histórias e dialogando com os diferentes personagens, permitindo que a Graça revele proximidade e não separação, fazendo nascer através da revelação do Reino de Deus em nós( e apesar de nós) a manifestação de justiça, equidade, generosidade e consequentemente AMIZADE.
Gosto e me identifico muito com o Jesus apresentado em "The Chosen" porque nessa construção cinematográfica, Jesus não é o intocável loiro de olhos claros com cabelos lisos inacessível, pelo contrário, é amigo de publicanos e pecadores, é o que dança na festa e também o que chora no túmulo, é gente com a gente. Dessa forma nós também precisamos ser acessíveis e quebrar todos os pré-conceitos, afinal - hoje somos nós os ministros da reconciliação (2 Co 5.18-19), somos nós que deveríamos estar sendo chamados de “Amigos de beberrões e comilões”.
Fica aqui o meu convite: caminhe e conheça a realidade que você está inserido, faça e construa teologia no chão da vida, ouvindo e sendo ouvido, falando e acolhendo, deixando as criancinhas virem até você, mas também indo em direção ao idoso que precisa de ajuda para atravessar a rua. Deixe que o Espírito Santo se revele na cordialidade da vida comum, do lenço que naturalmente salta do bolso quando você vê alguém a chorar precisando de consolo, do sorriso que convida as pessoas a terem esperança, dos pés empoeirados porque não ficaram parados na sacada, mas que desceram a rua, moveram-se, agindo, acolhendo, vivendo uma espiritualidade em Movimento.
¹ESCOLA PERIPATÉTICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em:
Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.