Fé Relacional.
Por Joel Marc
E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. Em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. Todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum... E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. (Atos 2:42-47).
Quando olhamos para a espiritualidade cristã descrita nas primeiras páginas de Atos vemos uma fé enfaticamente relacional. A reunião no templo para aqueles primeiros cristãos era um complemento da fé relacional que vivam no dia a dia, e não o centro da prática espiritual como nos acostumamos a viver na atualidade. A esse respeito bem pontuou Warren Wiersbe “A fé cristã era uma realidade diária, não uma rotina semanal”.
Na atualidade, o templo (estrutura física) tornou-se para muitos cristãos o único local onde eles professam a fé. O culto dominical é visto como algo ultrassagrado, mas a semana (segunda a sexta-feira) é dessacralizada e vista como um fardo de dias em que precisamos trabalhar, para só então, no domingo, nos reunir como igreja e vivermos a “fé”.
Nos primórdios da eclesia não era assim, pelo contrário a espiritualidade acontecia na vida. O texto de Atos 2 cita que "todos os dias" aqueles homens e mulheres transformados pelo evangelho de Cristo, reuniam-se de casa em casa e juntos em harmonia e singeleza de coração partiam o pão da comunhão na dinamicidade de uma comunidade local que se conhecia, convivia e fazia parte da vida diária um do outro.
Muitas vezes a expressão “partir do pão” deste texto é vista somente em seu aspecto transcendental do simbolismo em referencia à ceia, mas o texto aponta para a simplicidade das refeições comuns, da cordialidade do dia a dia, das refeições feitas nas casas pela alegria de partilhar não apenas a celebração dominical, mas a vida!
Aqueles primeiros cristãos viviam uma fé relacional, tal qual Jesus viveu. Como exemplo dessa fé, temos o episódio em que Jesus foi chamado de "comilão e beberrão", o fato de que fazia questão de se sentar junto às crianças pelo simples prazer de passar um tempo junto com elas, sem esquecer também de que não perdia uma oportunidade de bater um papo, mesmo que a pessoa estivesse ocupada - quem sabe tirando água do poço. Todo tempo e o tempo todo para Jesus era uma possibilidade de construir laços e se conectar ao outro. Jesus é o maior exemplo de que a espiritualidade cristã é relacional.
O verbo encarnado não viveu uma espiritualidade separatista ou de “santidade intocável” como os religiosos do seu tempo. Antes, preferiu pisar os solos samaritanos tidos como impróprios, optou por ir às festas e dançar, ir aos sepulcros e chorar, estar presente onde quer que houvesse gente como a gente, e por meio dos relacionamentos, revelar o Reino de Deus.
Precisamos resgatar o caráter relacional da fé cristã, pois não é natural que nós, cristãos do século XXI, nos amoldemos tanto a uma cultura individualista, que já não tenhamos a possibilidade e o desejo de partir o pão à mesa, de casa em casa, com nossos amigos e irmãos, durante a cordialidade da vida extraordinariamente comum.
Que possamos retornar a viver a manifestação do reino de Deus no chão da vida comunitária, que não está circunscrito apenas no domingo. Que haja espaço em nossa agenda para um café da tarde, para uma caminhada pela manhã, para uma prosa sem ser mediada por tecnologias...
Que haja tempo de sermos igreja relacional: que se integra e dialoga com a comunidade em que está inserida. Que haja espaço em nós para o outro!
Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.