Ira & Paz: vivendo na contramão da naturalização do ódio.

Por Joel Marc

Ira & Paz: vivendo na contramão da naturalização do ódio.

“Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” [Efésios 4:26]

O mundo contemporâneo é permeado por um ritmo intensamente acelerado, trânsito constante até chegar ao trabalho, rotinas estressantes, polarização política, multifacetadas bolhas sociais, contexto que potencializa cada vez mais um sentimento de ira generalizada. As pessoas parecem estar sempre no estágio do “entre guerras” (período de hostilidade que marcou o término da Primeira Guerra Mundial até o início da Segunda Guerra). Prontos para explodir bombas de agressões a qualquer momento, nós nos tornamos dinamites cujo cordão com pólvora já foi aceso e estamos há um estopim de explosão emocional.

No mundo virtual essa ira ganha novas formas e expressões que, talvez uma pessoa na vida real não tivesse coragem de usar, mas agora facilmente são ditas em agressões verbais nas redes sociais. A internet é vista como uma terra sem lei por muitos que a utilizam para propagar aquilo do que o seu coração está cheio: ódio e desamor.

Por esses dias vi a imagem de um cartaz onde estava escrito 'desarme o desamor’ e no mesmo instante me lembrei do texto de Efésios 4.26 que nos orienta a controlar a ira e gerenciá-la antes que ela nos gerencie. Perguntei-me nesse momento: o que é mais fácil? Desarmar fisicamente alguém que porta uma arma, ou desarmar uma faísca de ódio que já começou a crescer internamente dentro de nós?

Você certamente está em contato o tempo todo com pessoas iradas ( talvez até mesmo seja você essa pessoa), o vizinho que grita com a criança que derrubou leite no chão, a mulher que xinga a mãe da sua rival no trabalho, a criança que joga o celular no chão revoltada quando ouve de seus pais que precisa parar de mexer no aparelho, o cliente que briga com o vendedor de uma loja porque o produto não foi entregue na data prevista, o membro da família que sai do grupo de WhatsApp porque alguém postou uma foto do político que ele detesta...

Pra onde você olhar ou onde quer que você vá, verá a ira sendo corporificada no ser humano, e o resultado disso em último nível são: divórcios, inimizades, guerras, mortes, arrependimento e culpa.

Às vezes em questão de segundos a ira não controlada leva a ações que poderemos nos arrepender pelo resto da vida. Quantos divórcios poderiam ter sido evitados se momentos de ira houvessem sido controlados; quantas guerras poderiam ter cessado no diálogo antes do primeiro tiro acontecer; quantos pais, filhos, esposas, avós ainda estariam vivos entre nós se a ira de alguém tivesse sido gerenciada.

A bíblia não esconde as limitações humanas em lidar com a ira, nem mesmo grandes personagens como Moisés e Pedro escaparam dessa provação interna. Moisés por exemplo, irado, não conseguiu se conter e espancou a pedra no deserto - como quem quer saciar pela força dos seus próprios braços a sede da multidão. Pedro, por sua vez, agia como um discípulo compulsivo que não pensava duas vezes antes de agir, e na primeira faísca de ira logo puxava a espada, chegando a cortar a orelha daquele que ousasse lhe tirar do sério.

Poderíamos citar inúmeros personagens na bíblia que, tal qual Caim, não conseguiram controlar a emoção da ira e consequentemente carregaram em suas mãos morte ao invés de vida.

O que me preocupa em nossa geração, quando leio o texto sagrado com a lente de quem observa o seu tempo, é que naturalizamos a ira e já não nos inquietamos mais com tanta notícia de ódio e morte que passa no noticiário de uma TV. Pelo contrário, até estouramos uma pipoquinha de micro-ondas para sentar na sala e comer enquanto assistimos à degradação da humanidade, como quem maratona uma série na Netflix.

Já não nos causa repulsa a manchete de um jornal que diz: “Homem comete homicídio após irar-se no trânsito" ou "Marido espanca a mulher até a morte por ciúmes". Lemos notícias assim com a naturalidade de quem respira, porque no fundo nos acostumamos com a ira e seus resultados sociais, sem perceber que violamos diariamente o “não matarás” quando cometemos ou somos condescendentes com ações que ferem o outro nas diferentes dimensões do ser, quer emocionais, psíquicas, físicas, espirituais ou sociais. Muitos de nós estão sendo ministros da ira e não da reconciliação.

A bíblia, no entanto, aponta um descontentamento santo contra a ira. O texto sagrado incentiva a dominarmos os acessos de ira e sermos equilibrados e mansos. Essa temperança não é uma virtude própria do homem caído, mas da humanidade regenerada por Cristo, que pode agora, com a ajuda do Espírito Santo, contrariar os impulsos da ira e não mais praticar o lema do “olho por olho, dente por dente”.

O Espírito Santo em nós é capaz de fazer com que abracemos o inimigo, acolhamos os que nos perseguem e perdoemos as dívidas dos que nos devem. Sim, inexplicavelmente Deus em nós age por meio do dom da nova vida em Cristo para romper com o ódio e gerar paz.

Em Efésios 4.32 podemos ler: “Sejam bondosos e compassivos uns com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus perdoou vocês em Cristo”. Ou seja, Cristo não é só o maior exemplo da ira que encontra quietude e faz habitar a paz, Cristo é a própria corporificação da paz. Ele é a Shalom que excede todo entendimento, nEle e por Ele o pior inimigo pode ouvir: “você está perdoado!”.

Em tempos em que quase todos vão às redes sociais gritar, ofender e tentar a qualquer custo possuir a razão em detrimento do outro, mais do que nunca precisamos nos lembrar de viver a sabedoria expressa no livro de Provérbios, que nos ensina que:

“A resposta gentil desvia o furor, mas a palavra ríspida desperta a ira”. (Pv 15.01)

“Honroso é para o homem o desviar-se de contendas, mas todo o insensato se mete em rixas” (Pv 20.03)

Portanto, busque em Cristo caminhos para controlar essa ira que tenta te consumir dia após dia. Seja livre da ira, para amar como Cristo nos amou e nos perdoou imerecidamente.

  • Joel Marc

    Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.