Liberdade que supera o medo
Por Rogério Quadra
Ouvi certa vez que tradicionalismo é a fé morta dos vivos, mas que tradição é a fé viva dos que se foram.
Em minha tradição carrego o sangue de pessoas que lutaram por liberdade. No primeiro século da era cristã nossos irmãos foram duramente perseguidos pelo império romano que autoritariamente lhes roubou o direito ao culto. Foram perseguidos, decapitados, devorados por leões nas arenas em nome da liberdade de crer e anunciar o Cristo. O próprio apóstolo que sofrera perseguição, perigos, naufrágios e privações é quem diz: “Tudo posso naquele que me fortalece”. (Fl. 4.13).
Tudo posso não são “super poderes”, tudo posso é resiliência.
No século XVII o movimento anabatista (os “rebatizadores”), se tornam igreja batista e se posicionam na busca pela liberdade, o que eles viriam chamar de “livre consciência”.
Na coragem de “reformar a reforma”, afirmaram que só devem ser batizados aqueles que se tornam conscientes de sua fé e foram na contra mão de luteranos, presbiterianos e católicos.
Liberdade é sempre uma questão de consciência e expressão. Ainda carregavam como valor inegociável o rompimento da igreja com o estado. Contrariando valores do Luteranismo na Alemanha ou Anglicanismo na Inglaterra.
Meus pais na fé sabiam quanta morte e destruição a fórmula igreja e estado tinha imposto sobre a humanidade.
Num passado obscuro que unira a igreja ao estado romano, o imperador Constantino usou de uma “falsa” conversão como instrumento de manipulação e tirou a igreja da condição de perseguida a perseguidora, espalhando o terror, rompendo e desviando do próprio espírito do evangelho de Jesus que é amar a Deus e ao próximo, as boas obras e o testemunho.
Tal fenômeno parece ter sido reeditado. Causa espanto a igreja evangélica, em meu caso ver a igreja batista, unir-se a grupos dos que conclamam a intervenção militar e o cerceamento das liberdades individuais.
Como pode ter alguém que se auto proclame cristão e defenda o ato institucional número 5 ou simplesmente AI-5.
Causa espanto ver um chefe de estado unido ao movimento evangélico discursando contra o estado democrático de direito, falando sobre fechamento do congresso ou do supremo. Com o apoio evangélico? Não sabemos mais quem somos ou de onde viemos?
Não percebem a gravidade do presidente da república, que jurou fidelidade à constituição no ato da posse tão abertamente se auto proclamar a própria constituição, o que só acontece em regimes ditatoriais.
Regime ditatorial é contra o Espírito do Cristianismo. “Se o filho vos libertar verdadeiramente sereis livres”. (João 8.36)
Nos esquecemos que quando éramos minoria, a laicidade e a liberdade de culto que nos permitiu florescer como igreja.
Deveríamos como cristãos ao invés de clamar por intervenção militar estar clamando pela intervenção de Deus.Oro para que o princípio da sabedoria e do temor a Deus esteja um dia encarnado no chefe do executivo, seja deste ou de um próximo. Oro pelo retorno do Espírito da mansidão evangélica. Quando a igreja na história aliada ao estado se tornou perseguidora e perdeu as características próprias de um cordeiro que dá a vida pelo mundo entramos naquilo que a história chamou de “o período das trevas”.
As trevas voltaram a reinar sobre a igreja.
Como pastor Batista sei quem sou e de onde vim, por isso sei que devo ir para o caminho do sopro do Espírito. O que recebi como legado, para além da própria história e sobrenome é tradição.
Tudo posso naquele que me fortalece (Filipenses 4.13) palavras que estão sobre a lápide de minha avó. Ela lutou pela causa do evangelho ao lado do saudoso Pastor Quadra de quem herdo o sobrenome e o legado. Plantaram igrejas Brasil a fora, viveram tribulações e angústias, mas venceram com o poder que há nesta frase. Tudo posso. Hoje sei que tudo posso, resistiremos até o fim. Se eles querem meu sangue só se eu estiver morto, só assim.