O homem “sem nome” e a Transformação integral do ser.

Por Joel Marc

O homem “sem nome” e a Transformação integral do ser

“Quando se aproximaram de Jesus, viram ali o endemoniado [o que antes estava dominado pela legião] assentado, vestido e em perfeito juízo...”  ( Marcos 5.15)

Desde as primeiras vezes que li o capítulo 5 do relato de Marcos sobre um homem endemoniado, sempre me provocava uma mistura de sensação de filme de terror, misturado com suspense, curiosidade e sensibilidade (se você não conhece a história da bíblia do “homem sem nome” eu aconselho que você pare a leitura por aqui, leia o capítulo 5 de Marcos, e depois retorne a este texto). Alguns detalhes tornam o relato cheio de enigmas - para pessoas como eu, que costumam imaginar-se no cenário das histórias enquanto as lê, a narrativa se torna um prato cheio para reflexões, aprofundamento do ser e autoanálise.

O verso descrito na introdução deste texto mostra um homem que havia sido integralmente transformado pelo poder do Evangelho por meio de Jesus (v. 15). A novidade de vida chegou a ele, que até então era um “sem nome”, conhecido apenas como “o endemoniado” - o que já aponta que a fama dele não era lá “aquelas coisas”, mas agora o texto o descreve como um homem em perfeito estado de sociabilidade. Afinal, o que aconteceu com esse homem?

Você certamente conhece alguém no seu bairro que ninguém sabe de fato o real nome. Essas pessoas comumente são chamadas de “o drogado”, “o trombadinha”, “o caloteiro”, “o sem noção.”

 Nessa narrativa, o “sem nome” é descrito como “o Indesejado”. Como se não bastasse as correntes internas que aquele homem enfrentava nas suas lutas interiores, ele também lutava externamente com toda uma comunidade que socialmente tentava prendê-lo (v.3-4), pressionando-o com correntes como quem tenta amarrar um cão feroz. A única companhia do gadareno era o sepulcro - sua casa era a morte, seu abrigo, a solidão.

Em todos os aspectos da vida humana ele estava desestruturado. Se você optar por ler a narrativa inteira do capítulo 5 de Marcos, buscando entender como estava o campo emocional do “sem nome”, você verá alguém sofrendo a maior penalidade da humanidade: a exclusão. Se você fizer uma análise psíquica da narrativa, verá um ser totalmente desintegrado de si, caminhando sem rumo pelas ruas da cidade com correntes penduradas que se arrastavam pelo chão, gritando pelos becos dia e noite, cortando-se com pedras anunciando morte e propagando terror (literalmente como em um filme de terror).

Você pode optar por uma análise econômica, social, espiritual, materialista, física ou mental. Para qualquer direção que você olhe e com qualquer lente que você analise o texto, verá um “sem nome”, um humano sem identidade, alguém que se perdeu de si, cuja saúde física, emocional e mental já cheira a morte e a desesperança é o seu sobrenome.

A situação integral desse “sem nome” era tão degradante que nem mesmo a sua família o queria por perto (v. 19) - pasmem, ele tinha família! Lendo as entrelinhas da narrativa, verá que até mesmo os que compartilhavam com ele laço sanguíneo não o queriam por perto.


Jesus tem um encontro com aquele que, para a sociedade, é um “sem nome”, e intencionalmente quer saber como ele  se autodenomina. Em outras palavras, Jesus quer ajudá-lo a lembrar-se quem ele é, quando nem mesmo o próprio homem consegue reconhecer-se (v.9).

Em uma sociedade que chama os pecadores pelos adjetivos: "bêbados”, “prostitutas”, “meretrizes”, “drogados”, “endemoniados” etc, Jesus não apenas quer saber nosso nome, mas insiste em nos lembrar quem somos nEle: “FIlhos e filhas amados por Deus”.

Naquele dia o “sem nome” viveu a sua “Estrada de Damasco”; dos sepulcros da morte ele é convidado a andar na luz, da desestruturação do ser ele é convidado a voltar a ser inteiro em si mesmo, do distanciamento social e exclusão ele é convidado pelo poder transformador do evangelho das boas novas a ser reinserido na sociedade.

Após viver um encontro libertador e transformador com Jesus, o homem que outrora era um “sem nome e indigente”, agora é visto por toda sociedade assentado ouvindo os ensinamentos de Jesus e em perfeito juízo. Dentre tantas leituras e aprofundamento que essa narrativa nos permite fazer, gostaria de destacar esse trecho. Aquele homem não recebeu apenas uma cura da alma, um banho para ficar apresentável ou uma libertação espiritual, aquele homem não teve só a sua mente restabelecida à normalidade ou suas emoções colocadas no lugar. Aquele homem viveu isso e muito mais. De forma integrada e indissociável, ele foi transformado por inteiro: espiritualmente, emocionalmente, fisicamente, psicologicamente e socialmente ele foi alcançado pela Graça transformadora e convidado a uma novidade de vida.

Hoje é muito comum encaixotarmos o evangelho como se ele abrangesse apenas o campo “espiritual”. O Evangelho é visto como aquelas palavras que causam sono quando ouvimos um pastor ou um padre durante o domingo de manhã e que, no final, confirmamos a mensagem balançando a cabeça com um “amém”, mas que não altera em nada a nossa existência na segunda-feira.

O relato do gadareno mostra exatamente o contrário. O que vimos nessa narrativa é que Jesus está preocupado com o homem e com a mulher em sua integralidade existencial. Sim, nossas emoções importam para Jesus. Sim, se estamos ou não conseguindo ser seres sociáveis importa para Jesus. Sim, se a nossa mente está equilibrada e em harmonia é importante para Jesus. O evangelho de Cristo tem alcance transformador de todas as nossas estruturas, quer psíquicas, emocionais, físicas, sociais ou espirituais. Cristo é tudo em todos.

Convidar o Messias para entrar em sua casa não é apenas permitir que ele ajuste a “sua sala”, mas sim que ele caminhe por cada cômodo empoeirado da existência, que abra e leve luz para cada cômodo antes fechado pelo medo, pela raiva, pela dor, pela rejeição, pela ausência, pela culpa ou por aquilo que talvez você ainda nem sabe dar nome. Sim, Jesus te quer inteiramente.

É por isso que o religioso ainda não conhece de fato a Jesus, porque aqueles que vivem de aparência apenas com o “cômodo espiritual” arrumado, na verdade ainda não provaram a visita e morada da graça. Afinal, quando a graça chega, não tem quarto ou gaveta que ela não toque para tirar a dor e remover a poeira da desintegração do ser. Ou mudamos inteiramente pelo poder transformador do evangelho, ou nada muda. Viver de aparência não é uma opção no reino de Deus.

Que, ao termos de fato um encontro com o Jesus redentor, a sociedade possa dizer: - Uau! Como assim? Aquele não era o “sem nome”? Como é que agora ele está em perfeito juízo andando e vivendo na Luz?”

Por fim, gostaria de apenas lembrar que, para a sociedade contemporânea é atrativo mantê-los nas trevas, os poderosos deste século lucram com isso (v. 17). A liberdade de alguns é para outros a perda de sua “galinha de ovos de ouro” (Atos 16: 16-19). Cristo, porém, transforma todas as dimensões do ser e demonstra que viver em Deus é viver em liberdade, é voltar a ter uma identidade, é poder reencontrar-se consigo mesmo no momento em que me encontro com o Cristo da vida como ela é.

Minha oração é que o poder transformador do Evangelho te alcance, revele a podridão que há dentro de você, e limpe a sua casa - só assim seremos verdadeiramente limpos! Chega de deixar sujeira escondida debaixo do tapete, é hora de confrontar quem de fato somos sem Cristo, e quem realmente somos EM CRISTO!



  • Joel Marc

    Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.