Simplicidade ou erudição: O dilema da Língua Portuguesa no meio cristão.
Por Joel Marc
Créditos da imagem: FreepikCom o advento da internet as celebrações religiosas estão sendo cada vez mais transmitidas ao vivo a um público muito diversificado, isso potencializa a necessidade de estarmos bem alinhados a forma culta da Língua Portuguesa, que formalmente é aceita em território nacional, e assim garantir que a mensagem transmitida chegue com clareza e coerência aos ouvintes. Mas existe um dilema por trás dessa questão, a maioria dos cristãos vem de uma realidade muito simples e passar a comunicar a Palavra de Deus com uma linguagem muito técnica e culta poderia tornar o Evangelho distante da realidade dos nossos ouvintes.
O próprio Jesus fez questão de falar a língua comum ao povo, o aramaico, obviamente se existia alguém que poderia falar de forma rebuscada era o Logos – O Verbo, aquele que [é] a PALAVRA - isso demonstra que nas escolhas humanas de Deus o falar a linguagem do povo comum antecede o falar a linguagem da elite ( que no caso em questão poderia ter sido o Grego clássico ou o Latim). Essa mesma simplicidade vemos nas ilustrações de Jesus, as tão conhecidas parábolas, elas falam de objetos simples e comuns a todos aqueles palestinos, entretanto precisamos ter em mente que o fato de Jesus incorporar um estilo de vida e fala simples, não significava que ele era contrário ao estudo, ou muito menos, que era incapaz de usar uma linguagem mais formal e culta a fim de revelar o reino de Deus.
O mesmo Cristo que falava aos humildes nazarenos e galileus, com seu sotaque peculiar, era o que também no meio dos doutores impressionava com o seu saber – e saber comunicar o que sabe – de forma que alguns se perguntavam: -“Mas não é esse o filho do carpinteiro?” (Mateus 13.55). Isso demonstra que Cristo estava pronto para falar a todo e qualquer público independente do grau de sofisticação linguística de seus ouvintes.
A língua culta não deve ser um mero incentivo a nossa vaidade, ou à avareza de falar a uma bolha intelectual, mas que seja uma ferramenta útil para entendermos profundamente o evangelho e anunciá-lo de forma mais coerente. Existe um ponto de equilíbrio entre o falar correto e o falar difícil, encontrá-lo é o desafio do nosso tempo, pois ainda há quem continue a clamar: “Como posso entender se não há quem me explique?” (At. 8:31) . Que possamos ser resposta a esse clamor por meio do bom conhecimento da tão riquíssima Língua Portuguesa sem deixar de viver no presente tempo a kenosis que nos ensinou nosso Rabi.
Se o advento da internet e avanços dos meios de comunicação propiciaram a facilidade e ao mesmo tempo a dificuldade de se falar a diferentes públicos em sincronia linguística, tentar usar uma linguagem nacional padrão, pode ser um mecanismo para o avanço do Reino de Deus em nosso território, embora sabendo que nenhuma linguagem consegue conter o infinito e que a linguagem culta também tem suas limitações.
É certo que a linguagem humana não pode conter o Sagrado, mas Deus por meio do antropomorfismo continua buscando formas de revelar-se ao humano numa linguagem que nos é acessível, e a nossa ponte de ligação dentro das variáveis regionais é a Língua Portuguesa culta. Conhecer e dominá-la é a forma presente de exercermos o Ministério da Reconciliação (II Cor 5: 18,19), fazendo o público brasileiro perceber que “o Logos” ainda fala simples, mas fala também o Português coeso, coerente e consistente, por meio de nós , através de nós e apesar de nós.
Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.