AMOR & ÓDIO
Por Joel Marc
Se na busca de vencer o mal, o bem passa a usar as mesmas ferramentas que o mal utiliza, então o mal já venceu!
Em 1955, lá estava Martin Luther King Jr liderando, ousadamente, um boicote aos ônibus, com o objetivo de se opor à política de segregação racial vigente no transporte público da cidade de Montgomery, Alabama. Sim, um pastor da igreja Batista da Avenida Dexter havia compreendido que teologia não se faz fugindo ou fechando os olhos à realidade vigente - como quem se esconde dentro do que, confortavelmente, chamamos de templos - mas se faz no chão da vida, na realidade do dia a dia.
Ao saber o que aconteceu com Rosa Parks, uma mulher negra, presa simplesmente por recusar-se a ceder o lugar em que estava assentada a uma mulher branca, Luther King deu início a um boicote no sistema de ônibus de Montgomery. A prisão de Parks foi o estopim para que os negros se recusassem a entrar em ônibus enquanto durasse a segregação, que limitava a eles apenas os últimos assentos do transporte público (público para quem?). Uma política segregacional que, preconceituosamente, insistia em dizer: ”O lugar dos negros é no fundo, é na escória”.
O Boicote durou cerca de um ano e mostrou-se bastante efetivo. Algumas pessoas passaram a ir ao trabalho de bicicleta, outras caminhando e, durante os horários de pico, as calçadas ficavam lotadas a ponto de o sistema municipal de transporte ficar seriamente comprometido financeiramente. Estava evidente que, se fosse preciso, a população negra montaria em mulas, mas não pegaria ônibus, compactuando com uma política racista. Gestos de solidariedade também se fizeram presentes, como de igrejas que levantaram dinheiro para apoiar o boicote e enviaram sapatos novos ou com pouco uso para os que haviam se tornado adeptos do pedestrianismo em favor de uma causa cristã – sim, a igualdade, o respeito e a dignidade são causas cristãs (GL 3.28) e não deveriam passar despercebidas aos nossos olhos.
Outros participantes do boicote organizaram um sistema de carona solidária, e no processo de perceber-se na luta por direitos em comum, a população negra dizia, em ações: “Nós temos um sonho!". Muitos detalhes me chamam atenção nesse momento histórico para os Direitos da Humanidade, entre eles, sem dúvida, se destaca: o método de não violência.
King por exemplo, após passar dias na prisão, acusado de derrubar o lucro dos serviços de ônibus expressou-se com convicção de suas ações: "Estou orgulhoso de meu crime. O crime de juntar meu povo em um protesto não violento contra a injustiça”. Em outras ocasiões King também se pronunciou àqueles que, com armas e ódio, vinham contra eles nas manifestações e boicotes dizendo: “Vamos igualar sua capacidade de infligir sofrimento”, ao que ele respondia: “façam conosco o que vocês quiserem, e continuaremos a amar vocês”. Luther King nitidamente levou para as ruas os passos de Jesus, que sabiamente nos ensinou na cruz do Calvário que, se a antiga filosofia do olho por olho for mais forte do que o amor, todo mundo ficará cego.
Jesus não combatia o mal com o mal, pelo contrário, ao mal retribuía com o bem e encarnava a Revolução do Amor. Foi com Jesus e com exemplos como o de Martin Luther King Jr que descobri que, se na busca de vencer o mal, o bem passa a usar as mesmas ferramentas que o mal utiliza, então o mal já venceu.
Amar exige coragem de não revidar. Amar exige sabedoria de não se igualar. Amar exige muita convicção. Os fracos não amam porque na primeira oportunidade, são tomados pelo ódio. Só os fortes sabem de fato o que é o amor.
Em tempos em que o amor é suplantado pelo ódio por meio de uma simples e ardilosa mensagem inconveniente de whatsapp no grupo da família, nós precisamos rememorar esses momentos históricos e aprender a ter um amor mais resiliente quando somos provados pelo ódio que quer nascer em nós e continuar um ciclo sem fim de “bate-revida”.
O amor vence, mas só vence se não se igualar. Substituir um agressor por outro não é revolução, é tirania.
No grupo de Jesus também havia alguém que dizia - parafraseando - “Não temos apenas que ser antirracismo, precisamos ser antirracistas (como quem nas entrelinhas diz “racista bom é racista morto.”). Me refiro aqui a Simão, o zelote (Marcos 3.18) que, evidentemente no primeiro século da nossa era, lutava com outros tipos de segregações e de preconceitos [romano-judeu], mas a luta interna era a mesma: quem vence, o amor ou o ódio?
O zelote, pronto para pegar em armas e matar o seu opressor, também estava presente entre os discípulos, sentado próximo a Jesus, ouvindo o Sermão do Monte (Mateus, capítulos 5 a 7) e imagino que para ele as seguintes palavras do Sermão tiveram um peso maior:
“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo.’ Eu, porém, lhes digo: Amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês.” (Mateus 5.43)
As palavras do primeiro século, que provocaram uma reflexão no jeito de ser e viver revolucionário do zelote, continuam ecoando em nosso peito nos dias de hoje. Todos os dias temos a opção de amar ou odiar, de acolher ou matar, de vingar ou perdoar. Qual escolha você tem feito?
Sei que muitas pessoas - inclusive cristãs - vão discordar do meu posicionamento. Muitos vão até usar a mesma bíblia que eu uso, mas com uma lente que justifica o ódio ou a vingança. Tenho consciência da pluralidade de pensamentos e cosmovisões nos dias contemporâneos. Peço apenas que, se você discorda de mim, discorde em amor, mas não deixe que o ódio seja a força motora de suas ações enquanto você pensa estar fazendo o bem.
Com amor: Joel Marc.
Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.