Eros, Philia e Ágape
Por Joel Marc
Certa vez ouvi a história de um idoso muito simpático que, emocionado, descreveu-me a sensação de ser amado quando nada tinha a retribuir. No estágio da sua vida onde suas forças, progressivamente, esvaíram-se de modo que já não podia mais se locomover sozinho, o idoso contou que passava o dia inteiro deitado dependendo totalmente de seus filhos para as suas necessidades básicas. Ele lembra que, certa tarde, percebeu a dimensão do amor Ágape, num simples gesto, quando sua filha o levou para tomar sol, para que pudesse sentir o calor da vida; após alguns minutos retornou para retirá-lo de lá. Para muitos de nós pode parecer trivial, mas ele se sentiu amado pelo simples fato de não ser esquecido do lado de fora. Sua sensibilidade foi capaz de perceber que o maior estágio do amor é quando somos capazes de amar mesmo não existindo possibilidade alguma de retribuição.
O amor recíproco é, sem dúvidas, uma dádiva. A possibilidade de amar e ser amado na mesma medida encanta os jovens casais que vivem os primeiros dias de seu amor Eros - romântico, avassalador, intenso... É um amor retributivo, pois existe somente enquanto o outro pode ser capaz de corresponder aos meus desejos, permanece enquanto o corpo é atrativo, enquanto há saliência nos lábios e vigor no entrelaçar de braços.
O Eros é como pular de asa-delta: o começo é inexplicável, até nos leva às alturas causando as mais provocantes sensações. Entretanto é questão de tempo para reclinar-se e diminuir lentamente o voo até pousar novamente no solo.
Muito provavelmente, na primeira decepção vivenciando o amor Eros, você ouvirá de um amigo “coaching”: “Você precisa aprender a ser feliz sozinho.”, afirmação que é uma farsa em sua literalidade, afinal ao ser humano não foi concedida a dádiva de ser feliz em si mesmo. A humanidade é dependente da socialização.
Mesmo que você não case ou não viva o amor Eros, você precisa viver o amor Philia: cordialidade, fraternidade, o partilhar generosamente de vivências com o outro, relações interpessoais de amizades... afinal viver é ser com o outro. Ninguém se constrói sozinho e ninguém se define sem ter um ponto de referência. O ser antissocial adoece porque fomos criados para sermos dependentes da socialização.
Felicidade se constrói junto, não individualmente! Certamente durante boa fase da sua vida você procurará um amor retributivo – em que se doa e se recebe na mesma medida - mas o genuíno amor, você somente encontrará se chegar a um estágio como daquele velho senhor, do início do texto, que mesmo não tendo nada para retribuir, ainda assim não foi esquecido ao sol. Que o amor Ágape te abrace quando as limitações da existência lhe alcançarem brutalmente, lembrando que você é pó e ao pó retornará.
De certo modo, é impossível refletir sobre o amor Ágape – doador, incondicional, que não depende da retribuição – e não se lembrar de que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu a si mesmo (em forma de filho) para que nós provássemos genuinamente desse amor (Ágape). Do amor que perpassa a lógica da psicologia moderna retributiva da reciprocidade, afinal nunca poderemos retribuir, à altura, tamanho amor.
Em Cristo, para além da racionalidade humana o Amor ama e ensina a amar. Por isso desconfio que Amar é divino.
Em tempos que vivemos o que o sociólogo Zygmunt Bauman bem definiu como “Modernidade líquida”, mais do que nunca, quando alguém lhe disser: - “EU TE AMO”, pergunte instantaneamente: “Com que tipo de amor me ama: Eros, Philia ou Ágape?”.
Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.