Fé que [não] move montanhas: o dilema da fé na contemporaneidade.

Por Joel Marc

Fé que [não] move montanhas: o dilema da fé na contemporaneidade.


O elemento “fé” é apresentado nos evangelhos sinóticos como o meio para presenciar e vivenciar a glória de Deus, que é revelada através de Jesus a todos aqueles que creem; e mais do que isso, é o pré-requisito para ser incorporado ao corpo de Cristo. Sem fé é impossível ser parte com Cristo da morte ou da ressurreição e, consequentemente, da adoção como filho. Pertencer ao Reino de Deus, conforme apresentado nos evangelhos sinóticos, é confessar Jesus como o Messias prometido e filho unigênito de Deus.

Os evangelhos sinóticos nos mostram que, quando Cristo usava a palavra “fé”, o significado era o de confiar em Deus sem se deixar convencer do contrário. Isso também foi constatado nas pesquisas de um teólogo alemão  vinculado à Igreja Luterana chamado Joachim Jeremias, em seu livro “Teologia do Novo Testamento: a proclamação de Jesus”. A fé nos sinais, milagres e exorcismos eram apenas etapas do processo de passar a ver Jesus mais do que como um milagreiro ou curandeiro, mas a segui-lo como sendo o próprio Deus, crendo na certeza de que Ele tem condições não apenas de ajudar em questões sociais, físicas ou emocionais, mas que, sendo Deus, tem poder para perdoar e salvar toda a humanidade, possibilitando a salvação a todo aquele que tem fé.

Joachim cita o exemplo da mulher com fluxo de sangue e do centurião romano como pessoas que, com fé, creram na ação de Jesus mesmo contra todas as circunstâncias racionais contrárias. Os evangelhos insistem em apontar que o próprio Jesus era perceptível e sensível à fé de seus seguidores. “A tua fé te salvou”, dizia sempre o Messias, enfatizando não as obras, mas a fé como o elemento central da justificação na nova aliança, que é o meio pelo qual as pessoas são introduzidas no novo povo de Deus.

O Jesus apresentado nos evangelhos sinóticos está convidando pessoas à novidade de vida o tempo todo e o modo como as pessoas respondem a Jesus é através da fé, que não é grande por causa da sua quantidade, mas pela sua qualidade. Isso é perceptível no pedido do pai de um menino que confessa sua falta de fé e é atendido por Jesus mesmo assim (Marcos 9.24). Ou seja, a fé apresentada por muitos personagens nos relatos sinóticos pode ser pequena e até aparentemente insignificante, mas mesmo assim ser capaz de fazer/gerar coisas grandiosas, quando está fundamentada não em si mesmo ou em seus méritos pessoais, mas em Jesus, o autor e consumador da nossa fé.

Atualmente, as espiritualidades cristãs em sua generalidade demonstram uma fé que retrocede da mentalidade da nova aliança para apegar-se novamente à mentalidade do Antigo Testamento. Se Paulo disse que os objetos e ritos do Antigo Testamento são “sombras do que haveria de vir; a realidade, porém, encontra-​se em Cristo” (Colossenses 2.17), muitas igrejas evangélicas no Brasil estão fazendo o caminho contrário e centralizando a fé não em Cristo – a iluminação plena do que haveria de vir – mas, apegando-se novamente às  “sombras”. Volta-se a introduzir a arca da aliança dentro do templo,  o véu da separação entre o sagrado e o profano, a separação entre “sacerdote” e povo. O retrocesso é tão evidente que  já não se pratica o sacerdócio universal, mas se materializa a fé no óleo de unção, no copo de água, na “vassoura ungida” dentre tantos outros objetos sacralizados esquecendo-se assim, de que Cristo é suficiente.

A fé, que em tempos de pandemia se viu distante do templo institucional, não conseguiu sustentar uma espiritualidade autêntica, porque a mentalidade de “sombras” depende de um rito, depende de um ídolo para direcioná-lo à adoração, depende de um espaço físico para chamar de sagrado, não sabe como se achegar com ousadia ao trono da graça porque mesmo depois do véu ter sido rasgado, preferiu ter alguém para intermediar suas orações e relacionamento com Deus. Sempre terceirizamos a nossa fé e agora não sabemos como exercê-la no secreto. 

A pandemia manifestou que a fé cristã contemporânea carece de praticidade, de solitude - pois se acostumou tanto com os barulhos que não sabe estar em silêncio consigo mesmo e com Deus - e não sabe ser contemplativa. A fé demonstrada pelas igrejas cristãs contemporâneas precisa urgentemente da mesma humildade do pai que, correndo aos pés de Jesus em sinceridade, ora: “Me ajude em minha falta de fé”. (Marcos 9.24). Essa é minha oração hoje: “Deus, nos ajude pois a nossa fé é pequena e muitas vezes sem qualidade”.

 

  • Joel Marc

    Graduado em História pela Faculdade Sumaré e bacharel em Teologia pela FLAM (Faculdade Latino Americana). Possui Extensão Universitária em História Judáica pela PUC-SP. Após atuar durante cinco anos como livreiro e mergulhar no universo dos livros cristãos, ingressou em 2019 como professor na Escola Pública do Estado de São Paulo. Atualmente é professor das disciplinas de História e Filosofia no colégio cristão Kairós e produtor de conteúdos terceirizados para plataformas de banco de questões modelo Enade, na área de tecnologia.