Solidão, silêncio e oração
Por Marcelo Santos
No livro “A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo” Henri Nouwen volta-se para a espiritualidade dos Padres do Deserto para mostrar aos seus leitores um caminho espiritual longe do barulho, ocupação e consumismo da vida moderna em direção a uma vida centrada em Deus.
Ele divide este caminho em três disciplinas: solidão, silêncio e oração; práticas que levam o indivíduo da preocupação com a superficialidade para as profundezas da vida devota (entregue) a Deus.
Nouwen estabelece distinções entre tipos de solidão. Existe a solidão que é fonte de sofrimento e cujas raízes são muito profundas e não podem ser respondidas por soluções periféricas. Por outro lado, Nowen apresenta a solidão como sendo um jardim de beleza, um lugar onde encontramos Deus em nossa nudez, abertura e vulnerabilidade, um presente com o qual podemos compartilhar outros em solidariedade e compaixão. A solidão é a fornalha onde se supera as tentações de ser relevante, espetacular e poderoso. O próprio Jesus foi submetido a essas tentações.
A nossa principal tarefa na solidão é não prestar atenção indevida às muitas faces que nos assaltam, mas devemos manter os olhos da nossa mente e do coração naquele que é nosso divino salvador. Somente no contexto da graça podemos enfrentar nosso pecado; apenas no lugar de cura ousamos mostrar nossas feridas; apenas com uma única atenção a Cristo podemos desistir de nossos medos e enfrentarmos nossa própria natureza verdadeira.
A solidão é a fornalha na qual deixamos nosso EU falso e compulsivo ser transformado no novo EU de Jesus Cristo de Nazaré.
O silêncio nos ensina e nos capacita a falar. Nowen explica como isso pode ser praticado até mesmo na pregação, aconselhamento, bem como na organização. O silêncio completa e intensifica a solidão, edifica as pessoas e é um sinal da presença de Deus. O silêncio é uma disciplina necessária em muitas situações diferentes: no ensino e aprendizagem, pregação e adoração, visitas e aconselhamento.
Afastar-se da vida agitada ou retirar-se do mundo barulhento não tem nenhum valor se o propósito não nos levar à oração incessante. A solidão - com o objetivo de ficar a sós com Deus - e o silêncio - voltado para ouvir a Deus - fornecem o contexto para a oração. Orar continuamente, não sugere ausência de luta ou de dor, mas através da vigilância e a partir da disciplina do coração, podemos descansar em meio à turbulência. Para entender o que isso significa e como alcançá-lo, precisamos distinguir entre a oração da mente e a oração do coração.
Muitos indivíduos apoiam a ideia da oração, mas falham em apoiar a prática da oração. Um dos obstáculos para a oração é o preconceito de que é uma atividade da mente que envolve falar com Deus ou pensar em Deus. O problema deste pensamento é que logo ficamos frustrados quando nossa conversa com Deus não é respondida ou nosso pensamento sobre Deus leva ao cansaço. Como resultado, muitos desistem de orar. Falar sobre Deus ou pensar sobre Deus torna-se mais uma atividade intelectual do que a verdadeira oração.
A oração que leva à experiência de Deus é a oração do coração. A oração que leva àquele descanso onde a alma pode habitar com Deus. Orar é descer com a mente ao coração, e ali estar diante da face do Senhor, sempre presente, que tudo vê.
A oração é estar na presença de Deus com a mente no coração; isto é, naquele ponto de nosso ser onde não há divisões ou distinções e onde somos totalmente um.
Aprendemos que só assim podemos experimentar a liberdade dos filhos de Deus.
NOUWEN, Henri J M. A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo. 2ed. Trad. Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2001.
Mestre em Educação pela Universidade Interamericana (2019). Especialista em Teologia e Missões pela Faculdade Latino-Americana (FLAM - 2023), pós-graduando em Terapia de Casais pela Faculdade Prisma e Bacharel em Teologia pelo Centro Batista de Educação, Serviço e Pesquisa (CEBESP - 2020). Possui Extensão Universitária em Igreja e Missão, Educação Cristã e Aconselhamento pela FLAM - Faculdade Latino Americana (2021). Colunista do Chão da Vida e professor universitário na área de tecnologia e teologia em diversas universidades.